Então um dia a gente resolve que ficar escondendo nossas estranhezas não faz mais sentido. Mergulhamos nas nossas deficiências e qualidades, e acreditando que uma máscara pequena, cilíndrica e vermelha é o portal para a nossa segunda natureza, e entramos num processo onde não existem pequenas (e muito menos as grandes) mentiras.
Perder então toma outro sentido. A vontade de ganhar é tanta, que todas as possibilidades do risco são aproveitadas, e os saltos sem rede de proteção são contínuos, deixando as perdas ganharem cores de vitórias.
A questão é que, nós, atores, treinados com técnicas e normas de interpretação pra fazer rir e chorar com a proteção de uma personagem, quando nos arriscamos a colocar uma máscara que vai nos revelar no palco, somos tomados por um pânico quem nem três Hamlets juntos teria. O "ser ou não ser" vira "funcionar ou não funcionar", e pra chegarmos a ter o friozinho na barriga antes de estrear um espetáculo, somos tomados por uma "crise-palhaçal-de-ensaio".
Durante o processo do espetáculo “A Mulher que vira peixe” inúmeras vezes nos víamos travando horas e horas de debate entre o grupo. No início, quando nos pegávamos discutindo as crises de cada palhaço, das relações entre as cenas (todas inéditas, criadas pelo próprio grupo), dos porquês de cada gesto, das intuições, dos desejos individuais e coletivos, da nossa criação mineira-goiana-gaúcha com todas as razões-crenças-personalidade-criação-estigmas, acabávamos sempre olhando no relógio e achando que tínhamos perdido muito tempo com blábláblá corríamos pra ensaiar. E quando as cenas eram passadas depois das longas discussões, alguma coisa parecia ter mudado profundamente nas relações entre o palhaço, a cena e o público.
Depois de um tempo, percebemos que todo o nosso falatório, que nem sempre acabavam em consenso devido aos pontos de vistas diferentes, passou a guiar o processo do espetáculo.
Sem essas rodas de conversas, o meu número solo, com toda certeza não seria o mesmo. Uma cena calcada o tempo inteiro em querer ser o melhor homem do mundo, mas que incessantemente está condenado a se dar mal, ouvir o que meus colegas tinham a dizer e levar no próximo ensaio o número mais aperfeiçoado pra poder tirar deles nem que fosse um risinho no canto da boca tornou-se minha meta. Porque por incrível que pareça, as pessoas não têm idéia do quanto é difícil fazer um colega do grupo rir de alguma piada, e quando isso acontece é a hora da certeza que o público viajou junto nas emoções do palhaço.
O riso é a resposta que o palhaço precisa pra continuar expondo suas esquisitices, como se perder fosse a coisa mais natural do mundo. Perder sempre, desistir de ganhar nunca.
Emilliano Freitas
Empolgante o texto do Emilliano.
ResponderExcluirSuspeito que em meio a tensão, os ensaios podem ser até mais divertidos que a apresentação.
Parabéns ao grupo, sou fã!
@josuabarroso