quarta-feira, 10 de março de 2010

A Mulher que Vira Peixe

A Obra - A Mulher que vira Peixe

A cena “A Obra” foi idealizada em 2007 a partir de uma indagação: O quê um palhaço pode fazer? Muitas pessoas podem responder simplesmente que um palhaço pode fazer o que lhe vier à mente. Você respondeu assim? Agora tente imaginar que você é um ator iniciante, com apenas sete anos de labuta, inseguro frente a uma forma de interpretação que muitos consideram “não ser interpretação”. Sim, o palhaço, se é “estado”, deve desmascarar o ator e revelar o seu lado ridículo. É o que a maioria concorda? Não se pode afirmar, mas é o que naquela época esse ator segurava como verdade absoluta.

Continue imaginando: Você nunca foi encarado pelos seus companheiros como um palhaço completo (de fato poucos são), você está em crise por causa da voz do seu palhaço, da forma como o seu palhaço anda, veste, pensa, é. Bem, esse ator não tem mais nada a perder, a não ser o fato de pretender provar a si mesmo que o que acredita (e faz) talvez ainda não esteja certo, mas que está no caminho para a descoberta de si mesmo “sem máscara”. Você pensa nessa ‘entidade’ que o palhaço se tornou na sua vida e a desconstroe. Percebe uma ação cotidiana que pode ser aproveitada para responder aquela questão, ou se tiver sorte, suscitar novas perguntas.


Quando a cena foi pensada tinha o intuito de provocar reações, não para simplesmente mexer com a platéia e incomodar, mas para que depois da cena as pessoas se perguntassem: Um palhaço pode fazer isso? Ou: Isso é palhaço? Essa dúvida deixará a platéia frente à pergunta que motivou essa cena. Claro que a maior intenção é o reconhecimento da platéia com a “entidade” palhaço, e se possível provocar o riso, mas sem passar a idéia da cena como um mero entretenimento. É muita pretensão para um ator inseguro? A insegurança faz parte da vida de um artista. Em 2007 a cena foi apresentada para um público generoso, misto, que “pareceu” se divertir com a situação colocada. Foi, até então, a única apresentação da cena. Depois de três anos “A Obra” foi repensada, perdeu alguns objetos, algumas situações, mas ganhou outras. Com os ensaios a grande questão no grupo foi: É palhaço ou bufão? Depois de tantos textos a respeito, de tantas observações e considerações de cada componente do grupo, fica uma sensação de pergunta sem resposta. Mas uma afirmativa - o grupo está comigo no caminho dessa descoberta.


Hoje eu acredito que um palhaço pode fazer o que lhe vier à mente, basta que o ator trabalhe a questão com afeto, que é, de acordo com o que eu e muitos acreditamos, a característica que diferencia o verdadeiro palhaço (anjo) de um personagem palhaço. Se o ator vai conseguir demonstrar o seu afeto? Bem, isso vai ser respondido toda vez que a cena começar.

sábado, 6 de março de 2010

Processando um processo - A Mulher que vira peixe

Então um dia a gente resolve que ficar escondendo nossas estranhezas não faz mais sentido. Mergulhamos nas nossas deficiências e qualidades, e acreditando que uma máscara pequena, cilíndrica e vermelha é o portal para a nossa segunda natureza, e entramos num processo onde não existem pequenas (e muito menos as grandes) mentiras.

Perder então toma outro sentido. A vontade de ganhar é tanta, que todas as possibilidades do risco são aproveitadas, e os saltos sem rede de proteção são contínuos, deixando as perdas ganharem cores de vitórias.

A questão é que, nós, atores, treinados com técnicas e normas de interpretação pra fazer rir e chorar com a proteção de uma personagem, quando nos arriscamos a colocar uma máscara que vai nos revelar no palco, somos tomados por um pânico quem nem três Hamlets juntos teria. O "ser ou não ser" vira "funcionar ou não funcionar", e pra chegarmos a ter o friozinho na barriga antes de estrear um espetáculo, somos tomados por uma "crise-palhaçal-de-ensaio".

Durante o processo do espetáculo “A Mulher que vira peixe” inúmeras vezes nos víamos travando horas e horas de debate entre o grupo. No início, quando nos pegávamos discutindo as crises de cada palhaço, das relações entre as cenas (todas inéditas, criadas pelo próprio grupo), dos porquês de cada gesto, das intuições, dos desejos individuais e coletivos, da nossa criação mineira-goiana-gaúcha com todas as razões-crenças-personalidade-criação-estigmas, acabávamos sempre olhando no relógio e achando que tínhamos perdido muito tempo com blábláblá corríamos pra ensaiar. E quando as cenas eram passadas depois das longas discussões, alguma coisa parecia ter mudado profundamente nas relações entre o palhaço, a cena e o público.

Depois de um tempo, percebemos que todo o nosso falatório, que nem sempre acabavam em consenso devido aos pontos de vistas diferentes, passou a guiar o processo do espetáculo.

Sem essas rodas de conversas, o meu número solo, com toda certeza não seria o mesmo. Uma cena calcada o tempo inteiro em querer ser o melhor homem do mundo, mas que incessantemente está condenado a se dar mal, ouvir o que meus colegas tinham a dizer e levar no próximo ensaio o número mais aperfeiçoado pra poder tirar deles nem que fosse um risinho no canto da boca tornou-se minha meta. Porque por incrível que pareça, as pessoas não têm idéia do quanto é difícil fazer um colega do grupo rir de alguma piada, e quando isso acontece é a hora da certeza que o público viajou junto nas emoções do palhaço.

O riso é a resposta que o palhaço precisa pra continuar expondo suas esquisitices, como se perder fosse a coisa mais natural do mundo. Perder sempre, desistir de ganhar nunca.


Emilliano Freitas